terça-feira, 22 de março de 2011

A CRISE DO ESTADO COMO GARANTIDOR DO DIREITO*


O Estado existe para proporcionar ao indivíduo a proteção, a segurança e a garantia dos direitos estabelecidos nas leis. Ocorre que o Estado moderno vem sofrendo transformação diante do excesso de direitos sociais conquistados a partir da 2ª Guerra Mundial, de tal magnitude que as demandas ampliaram a tal ponto, que o Estado tornou-se incapaz de atendê-las, implicando-se na descrença popular dos postulados democráticos, principalmente diante da imposição de pesada carga tributária que inibe as iniciativas empreendedoras do comércio, gerando mais desemprego e misérias. A frustração do indivíduo frente à garantia de seus direitos causa abalo na legitimidade do poder político, base que sustenta o Estado Democrático de Direito.

O desinteresse do cidadão pela gestão pública propicia a desintegração do Estado com a sociedade. O Estado existe para servir a sociedade e a sociedade serve para fiscalizar a atuação do Estado. Quando isso não acontece, os políticos se apossam do poder para obter vantagens pessoais. Essa visão distorcida do interesse público misturado com o interesse privado cria um ambiente em que só pessoas mal intencionadas se interessem pela política e as pessoas mais honestas dela se afastam.

Para compensar a sociedade pobre e desempregada, os detentores do Poder criam mais direitos sociais, sobrecarregando o Estado com mais encargos que exigem cada vez mais recursos. De onde esses recursos serão obtidos? Através de tributação, cujo produto da arrecadação, ao invés de ser aplicado no desenvolvimento da sociedade, como um todo, é destinado, exclusivamente, a massa popular que aumenta cada vez mais, deixando de ser empreendedora, à espera do assistencialismo estatal. Essa realidade mantém a superestrutura do poder político e o poder político, por sua vez, mantém a infraestrutura social.

A propósito, como bem lembrado pelo Prof. Wilson Steinmetz

Neste inicio de século XXI, a crise e a reforma do Estado, bem como a necessidade e as possibilidades de um novo modelo de Estado são temas que ainda atraem o interesse dos intelectuais (da academia e fora dela) e ocupam posição de destaque na agenda política, nacional e internacional. Assim tem sido desde o início da crise do Estado do Bem-Estar (Welfare State) europeu, na década de 70, e da crise do Estado Desenvolvimentista latino americano, na década de 80, do século XX.

Adverte o eminente mestre que esses temas são a função estratégica do Estado, a crise do tipo Estado-nação, a democracia ante a globalização e a posição preferencial (preferente reforçada) dos direitos fundamentais no Estado Constitucional contemporâneo.

Nesta conjuntura mundial, o Estado do Bem-Estar, principalmente dos países europeus, na década de 70, e mais recentemente, o Estado Desenvolvimentista dos países latino-americanos, entram em crise. É que as pessoas moram no Estado, onde trabalham e geram as riquezas. Enquanto a legitimidade do poder se limita no âmbito de suas fronteiras, as regras que ditam o processo econômico não conhecem esses limites, atuando de maneira transnacional. Para resolver essa questão, os governos concedem mais incentivos fiscais a empresas e estas exploram suas atividades econômicas e o lucro obtido, ao invés de ser reinvestido no país, é depositado em paraísos fiscais. Aproveitam da oportunidade que essa abertura lhe oferece, exploram o povo e levam o capital para outro lado da fronteira nacional, deixando apenas o déficit econômico interno e mais desempregos e misérias para o povo.

Essa situação é cíclica, pois onde o problema é resolvido, inicia-se outro mais grave ainda, porque as verdadeiras causas nunca são atacadas.

Para autores como Offe (1984) e Vacca (1991), a crise do Welfare state manifesta-se como crise fiscal, de legitimação e de governabilidade. A crise fiscal decorre da dificuldade de o Estado fazer frente ao aumento progressivo dos gastos públicos. Sobre o Estado há uma demanda crescente, incompatível com a evolução de suas receitas. À crise fiscal soma-se a de legitimação. Isso porque quem faz a filtragem política das demandas são os partidos políticos e as “organizações de interesse”. Para Vacca (1991, p.156), a crise de legitimação pode ser vista como “[...] crise de representação das classes trabalhadoras [...]”. “Os debaixo” já não se vêem representados adequadamente pelos partidos e sindicatos. Ainda segundo Vacca (1991, p. 157-158), “[...] os órgãos da administração pública e do Estado são ‘enfeudados’ pelos partidos [...] Estes estendem o seu domínio sobre os órgãos públicos e estatais, mas mostram-se cada vez mais incapazes de conferir unidade de objetivo e funcionalidade dos órgãos do Estado”. Assim, a crise fiscal que fragiliza o Estado também respinga nessas instituições responsáveis pela produção de legitimidade. A conseqüência é a crise de governabilidade.

Sobre a crise fiscal do Estado, é oportuna observação de Bresser Pereira

“A crise dos anos 80 e 90 do Estado (brasileiro e latino-americano), é uma crise fiscal do Estado, é uma crise do modo de intervenção do Estado Social, é uma crise de forma burocrática e ineficiente de administrar o Estado que se tornou grande demais para poder ser gerido nos termos da denominação ‘nacional-legal’ analisada por Weber”. Para Bresser Pereira (1996, p.15), a crise fiscal caracteriza-se pela perda do crédito público. Pelo fato de que a elevada dívida pública, combinada com as altas taxas de inflação, déficit público crônico, altas taxas de juros internas, taxas declinantes de crescimento, torna ela própria explosivas as expectativas com relação ao seu crescimento.”

O Estado Social derivado do Estado Neoliberal, considera o Estado uma Previdência, um Estado Segurador. O indivíduo agora não pretende apenas a liberdade que já fora conquistada e garantida. O indivíduo deseja também, segurança, paz e acima de tudo, amparo social. Mas isto custa caro ao Estado, principalmente para Estado com Democracia incipiente, burocrático, ineficiente e corrupto.

A crise do Estado Social resulta dos vícios herdados do período neoliberal. A evolução para o Estado Social deu-se de forma incompleta, trazendo consigo velhos costumes do período anterior, incompatíveis com o atual. Para a adoção do Estado Social, as nações deveriam, preliminarmente, instrumentalizar-se adequadamente, para atender as novas demandas.


7.1 SUBSISTEMAS SOCIAIS E O PODER PARALELO DO CRIME ORGANIZADO


Não podendo atender todas as demandas de um Estado Social, a sociedade se estratifica, surgindo subsistemas sociais à margem do Estado, porém, vinculados ao próprio sistema do Estado. Explicando melhor essa situação, convém lembrar que por longo período o Estado desamparou o homem do campo, dando ênfase a uma política desordenada direcionada apenas para as zonas urbanas. É nas cidades em que foram canalizados recursos, para melhoramentos, através da pavimentação de ruas, calçadas, postos médicos, transportes, educação e acima de tudo, a geração de empregos e rendas, enquanto que as populações da zona rural não receberam esses benefícios.

Não demorou muito para que as cidades passassem a se constituir em pólos de atração para essas populações sertanejas. Sem uma política estratégica para o setor, os centros urbanos expandiram extraordinariamente a ponto de muitas cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e outras, crescerem desordenadamente com suas dezenas de milhares de favelas incrustadas nas fendas de morros e becos das periferias, margeando rios e encostas de montanhas, sem que o poder público desse conta dessa grave situação.

Através desse quadro, é fácil analisar e concluir sobre as nefastas conseqüências. Milhões de pessoas morando empilhados nesses guetos, onde o Estado só aparece em algumas ocasiões, talvez em épocas de campanha eleitoral ou através de seus agentes para prender, espancar e torturar moradores, quando não para extorquir dinheiro de traficantes e de ladrões que ali se escondem.

A ausência do Estado nesses locais, como era de se esperar, cria pré-requisitos para o surgimento de uma nova ordem social, com seus próprios valores éticos, culturais, sociais e econômicos. É fácil imaginar que nessas condições, os moradores, ante a ausência do poder público, aderem por conveniência própria ou por medo, aos grupos que ali se instalam. O Estado por sua vez, só age, quando premido pelo clamor da imprensa, sem se preocupar com as questões de fundo. E assim agindo, mais atrai para si, o descrédito e a repulsa daquele meio marginalizado. Perdendo a legitimidade, a sociedade vê o Estado como um inimigo do sistema e o Estado vê a sociedade como um inimigo que precisa ser eliminado.

O Estado Social e protetor se transformou em um Estado policial que considera a sua tarefa como uma missão bélica em que o inimigo tem que ser exterminado. Para tanto, ao invés de qualificar seus agentes para resolver os graves problemas, o Estado prepara-os para uma verdadeira guerra urbana, na qual são mortas quase que diariamente, dezenas de pessoas inocentes. Nas favelas e nas periferias, em que pese o fato da criminalidade e a miséria caminharem juntas, são habitadas em sua maioria, por pessoas honestas, trabalhadoras e idôneas. No entanto, dada a falta de competência do Estado em lidar com esses problemas, as pessoas se unem para se defender, não do criminoso que vive no meio, mas contra a ação do Estado que só aparece, para prender, espancar e humilhar os habitantes, indistintamente.


7.2 A DESTRUIÇÃO DO ESTADO SOCIAL


A realidade social hoje é bem diferente quando surgiram os pressupostos para o estabelecimento do Estado Social. Marcado por inúmeras denúncias de corrupção, o Estado libertário e social como se pretende implantar, sofre profundamente a crise de credibilidade. A sociedade frustrada em suas aspirações olha com desconfiança para os agentes políticos, levando-a ao afastamento dos cenários políticos, tidos quase sempre, como escusos e sujos. Nesse ambiente promíscuo de um Estado decadente e incapacitado de reagir, começam a proliferar grupos de criminosos que criam seus próprios sistemas de punição e recompensa. Com um direito mais ágil e eficaz, logo conseguem a adesão da comunidade marginalizada pelo Estado.

Os moradores sentem-se mais protegidos pelo crime organizado do que pelo Estado. Preferem mais a convivência com esses grupos à presença da polícia. O crime organizado ampara os moradores em suas necessidades. Oferece-lhes segurança e proteção. Atende as necessidades básicas da comunidade, com cestas de alimentos e remédios. Ora se os moradores recebem essa assistência, o que importa se esses grupos forem rotulados de criminosos, já que para eles que perderam a crença nos agentes públicos, o Estado só serve para abrigar corruptos e ladrões do dinheiro público, que deveria ser distribuído corretamente e não é.

*O ARTIGO FAZ PARTE DE MINHA MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DO CURSO DE POS GRADUAÇÃO EM DIREITO PÚBLICO.


















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