É difícil explicar o constitucionalismo como movimento para promover a organização política e administrativa do Estado. Sob diversas teorias sustentadas por juristas em todas épocas, dos quais sobressaem os Eminentes Mestres como os alemães Peter Haberle, Karl Loewenstein, Kaufmamn e outros, uma Constituição nada mais é do que um pacto entre as gerações.
Concebida sob certos preceitos, as constituições inspiram-se a partir da realidade social, cultural e econômico, dentro de um processo de filtragem das idéias decantadas das evoluções do pensamento humano, em busca de um ideal de convivência fundamentada em experiências positivas da própria sociedade.
A primeira constituição brasileira de 1824, na época do Império, já previa preceitos de conteúdo material, considerados essencialmente constitucionais e enunciados meramente programáticos que fixavam as metas para o desenvolvimento social.
A Carta Magna da época estabelecia que as normas fundamentais só poderiam ser alteradas a cada quatro anos, mediante procuração dada pelo povo aos parlamentares. Já os preceitos programáticos poderiam ser alterados mediante lei ordinária. Percebe-se que a Constituição era classificada como semi-rígida, ou seja, continha cláusulas pétreas e cláusulas flexíveis.
A atual Constituição promulgada em 1988 é mais ou menos assim, ainda que alguns doutrinadores entendam que ela é rígida. Na verdade, a Constituição de 1988 possui em seu bojo, conteúdo principiológico rígido, que se constitui em um sistema aberto, apto a albergar novos princípios, desde que sejam para ampliar novos direitos fundamentais, vedada a supressão de quaisquer direitos ou garantias.
Tratando-se de uma Constituição dotada de preceitos dirigentes, não deixa de ser normativo-estruturante e programática, porquanto contém os princípios fundamentais sob os quais o Estado de Direito é estruturado e a partir dos postulados da soberania, cidadania, a dignidade humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, divide-se em capítulos programáticos que na verdade, são declarações de um compromisso do Estado em assegurar o seu povo, a concretização do decálogo fundamental, pelo qual o Estado se inspira para justificar a sua existência.
A Constituição, nesta perspectiva de cognição, não pode ser totalmente imutável. Mas também não pode ser totalmente flexível. Toda a norma só tem validade se ela corresponder com a realidade social. Quando a norma fica em descompasso com os fenômenos culturais, econômicos e sociais, ela deixa de ser aplicada e passa para o esquecimento, surgem conflitos entre as classes sociais que compõe a comunidade nacional, podendo ocorrer insurreições, levando o país ao caos jurídico.
A Constituição imutável foi a causa de muitas guerras ou revoluções, porque só através do recurso das armas e da insurreição é que era possível realizar as mudanças necessárias de forma a atender as aspirações do povo.
A Constituição interpretada sob o método tópico problemático, será sempre um sistema aberto a novas interpretações dentro do círculo-hermenêutico. Não existe um método mais adequado. O que existe é uma metodologia, onde o intérprete-aplicador do direito analise as questões num balançar de olhos, ponderando toda as questões postas sob a análise, para daí, chegar-se a um resultado que mais se aproxime da verdadeira justiça social.
Não existe juiz imparcial, porque o intérprete aplicador do direito, assim como todo o sujeito do conhecimento - afirma o mestre Inocêncio Coelho – aprende as coisas apenas da perspectiva em que se encontra, necessariamente parcial ou limitadora da sua visão do mundo.
Nesse sentido, Raúl Zaffaroni afirma que o juiz asséptico não passa de uma impossibilidade antropológica dado que nenhum indivíduo poder ser “neutro”, porque não existe neutralidade ideológica, a não ser sob a forma da apatia, irracionalidade ou decadência do pensamento, que não são virtudes dignas de ninguém e muito menos de um juiz. Por isso, que a interpretação de um sistema normativo, para não sofrer influência linear de um interpretador/aplicador deve resultar de um modelo de magistratura que permita os agrupamentos democráticos e espontâneos e o controle recíproco dentro da sua estrutura. Qualquer interpretação é apenas uma entre as várias outras, igualmente possíveis e aceitáveis.
Assim, a interpretação/aplicação de modelos jurídicos, no magistério do renomado mestre lusitano Gomes Canotilho – exige que se conjuguem os diferentes métodos e princípios, num jogo concertado de complementações e restrições recíprocas, à luz das idéias de coerência do ordenamento e da unidade da constituição.
A partir desta concepção do constitucionalismo moderno e atual, caracteriza-se, entre outros, pelos seguintes fundamentos: mais Constituição do que leis, mais juízes do que legisladores, mais princípios do que regras, mais ponderação do que subsunção e mais concretização do que interpretação.
Em razão dessa natureza irradiante das normas: leciona Inocêncio Coelho: “essas características do novo constitucionalismo embebem todo o ordenamento, que, assim, passa a ser praticado sob tais premissas, nos seus diversos segmentos”.
Dentro dessa perspectiva histórica do constitucionalismo moderno, a idéia de normas fixas, imutáveis e inflexíveis, revela apenas a corrente ideológica daqueles que positivaram as normas, porque atrás de todo o positivismo jurídico, escondem-se aqueles que lograram positivar a Lei Fundamental, de acordo com as suas idéias, interesses e aspirações, como pregava o eminente jurista alemão, Ferdinand Lassalle.
Desse modo, numa constituição deve ser escrita a vontade geral de uma geração presente, a qual amadurece no passar da vida, agregando novos valores culturais, principalmente num momento tão agitado, dinâmico e globalizado como vivemos atualmente.
É razoável que o direito como resultado de interpretações hauridas ao longo do tempo, sofra mutações que devem refletir no ordenamento jurídico, para que em não havendo as mudanças dos preceitos insculpidos na Lei Maior, é possível perceber movimentos revolucionários que tentarão reverter o quadro, mediante lutas de classes.
Não se pode olvidar, por último, que a cada 25 anos, mudam as gerações e conseqüentemente, mudam os fenômenos culturais, sociais, éticos e econômicos. Até as religiões, embora mantendo os mesmos valores dogmáticos, sofrem mutações constantes, para abrigar os anseios dos seus fiéis.
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