quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

ARTIGO PUBLICADO EM VÁRIOS SITES

QUAL A CAUSA DO AUMENTO DA CRIMINALIDADE?
Mariano Higino de Meira

Muitos põem a culpa na lei, pelo aumento da violência e da criminalidade. Há uma corrente do pensamento jurídico que propõe a mitigação da pena, sob o argumento que a cadeia não recupera ninguém e ajuda a formar delinqüentes ainda mais violentos. Grande parte da população pede aprovação de mais leis e do recrudescimento da pena ou até mesmo da adoção da pena capital. E nesse compasso assistimos a um chorrilho de leis criadas pelos nossos legisladores, a cada crime grave que acontece. Ora criam novas tipificações penais, ora criam leis majorando as penas. E a criminalidade não recua.Há ainda os que põem a culpa na Polícia. Outros criticam o Judiciário, alegando que a Polícia prende e a Justiça solta.

Atendendo a posição da corrente que defende a mitigação da pena, como forma de humanizar a justiça criminal, surgiu a Lei N.º 9.099/95 que criou o Juizado Especial Criminal, banindo praticamente a pena de prisão para os chamados delitos de menor potencialidade lesiva. Para as condenações até quatro anos de prisão, de crimes considerados não hediondos, o réu é beneficiando com o “sursis” e não fica preso. E mesmo sendo condenado acima desse patamar, cumprindo um sexto da pena, já se livra da cadeia. Não obstante os benefícios legais, o sistema carcerário está saturado e as cadeias públicas superlotadas.

Além disso, a cada ano a Justiça libera oito mil presos e a Polícia prende mais doze mil, com um superávit de quatro mil presos. O Estado tem um déficit de mais de quinze mil vagas. Precisa construir pelo menos mais dez complexos penitenciários para abrigar só os presos atuais que lotam os distritos policiais e cadeias das Delegacias do interior. Além disso, a cada ano, o Estado precisa disponibilizar mais quatro mil vagas, para abrigar novos presos.

Mesmo com uma polícia de investigação que esclarece no geral, pouco mais de dez por cento dos crimes mais graves, como homicídios, latrocínios, roubos e tráficos de entorpecente e com uma Justiça Criminal condenando pouco mais de quarenta por cento nos casos que lhe são encaminhados, a situação carcerária já é extremamente grave e preocupante, o que aconteceria, se aumentasse a eficiência da investigação e o conseqüente aumento das condenações?

A reforma do Código Penal e de Processo Penal seria a fórmula mágica para resolver todos esses problemas, apregoam alguns juristas. Outros ainda afirmam que o inquérito policial deveria ser abolido, como forma de melhorar a aplicação da lei penal. Outros já sustentam que o Ministério Público deveria investigar, porque a Polícia é corrupta.

Enfim, estamos diante de um grande ponto de interrogação. O que fazer? Aumentaram-se as penas, não adiantou. Diminuíram-se as punições, não adiantou. Criaram Juizados Especiais Criminais e não resolveu.

Se a culpa se devesse apenas ao Código Penal, o problema estaria resolvido com a criação de novas leis penais. No Brasil há crime para tudo. Desde dirigir sem habilitação ou colocar um simples vaso pendurado na janela de um prédio, até para lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. E nada adiantou.
Ainda há quem sustente que o Estado deveria criar mais órgãos policiais e aumentar o efetivo das Polícias. Nas cidades de porte médio, onde se criaram distritos policiais ou batalhões com a finalidade de melhorar o atendimento e diminuir a criminalidade, a violência aumentou de forma alarmante. Existem órgãos policiais para tudo: A Polícia Federal, A Polícia Rodoviária Federal, Agência Nacional de Inteligência, Conselho Institucional de Segurança. Secretarias e Conselhos para quase tudo se possa imaginar, relacionados com a causa da Segurança Pública. Nos Estados temos Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Polícia Ambiental, Polícia Rodoviária e Ferroviária, Guardas Municipais, Vigilantes Noturnos, Vigilantes Diurnos, Guardas de Jardins, Guardas de Prédios Públicos, Seguranças Particulares, Guardas Costas, Guardas de Propriedades, Dignitários, Emissários, Inspetores de Quarteirões, Conselho de Segurança Comunitária, Conselhos Municipais Anti-Drogas, etc. Como não bastasse tudo isso, ainda existem empresas especializadas de segurança, como escolta de valores, empresas instaladores de alarmes residenciais e empresas de segurança que ganham muito dinheiro para vender proteção às pessoas. Sistemas gerenciados por satélites monitorando os veículos de transportadoras. Empresas especializadas em blindagem de veículos. Um mercado bilionário voltado para a Segurança. Mas a criminalidade não cede.

Não satisfeitos, muitos representantes políticos pedem ao Governador a criação de mais órgãos e o aumento do quadro de policiais. Na Polícia Civil existem inúmeros Departamentos e Secções e na Polícia Militar, dezenas de órgãos e setores. Alguns defendem a redução dos segmentos hierárquicos para aumentar a efetividade dos recursos humanos. Outros já debatem e insistem para aumentar, sob o argumento de melhorar a Segurança. Aí surgem várias denominações como Delegacia Anti-Droga, Anti-Sequestro, Anti-Furto, Garra, Grupo Anti Bomba, Goe, Gate, Sat, Dise, Dig, Dipol, Sipol, Cepol, Secom e outros mais. Apesar do cipoal de órgãos, a criminalidade aumenta. Na Polícia Militar, como tentativa de prevenir a criminalidade, criaram ronda bancária, ronda escolar, ronda comunitária, base comunitária, cavalaria, canil, ronda motorizada, ronda de quarteirão, banda de música, Proerd, etc. E apesar de tudo isso, a criminalidade não recua.

Já vimos que simplesmente criar mais órgãos ou aumentar o efetivo não resolve. Por outro lado, criar mais leis penais ou reformar os códigos, também não. A reforma do Judiciário é importante para desafogar o trabalho forense e tornar mais rápida a prestação jurisdicional. O problema começa com a burocracia dos processos. Há recursos para tudo. Criaram-se os Juizados Especiais Criminais para os chamados crimes leves, mas não impediram que as partes recorressem até a última instância, às vezes, apenas para se livrar de uma pena alternativa de prestação de serviço. Os próprios órgãos governamentais entopem os tribunais, por causa de centenas de milhares de processos que aguardam julgamento de recursos meramente protelatórios. Isso poderia ser resolvido com uma reforma no Judiciário e nos Códigos de Processo Penal e Civil.

Como vimos qualquer solução superficial, não produz os efeitos desejados. O simples aumento do efetivo e criação de mais órgãos parece uma medida inócua. Penso que oferecendo ao profissional, um salário digno com que ele possa sustentar sua família e atender as suas necessidades básicas de educação, moradia, alimentação, vestuário e lazer, aliado a um preparo adequado e proibindo qualquer atividade estranha, o chamado “bico”, pode contribuir para a melhoria do serviço policial. Devido aos baixos salários pagos aos policiais, quase todos os policiais fazem o chamado “bico”, para complementar o seu salário, prática que embora sendo considerada transgressão, é tolerada por conta da realidade financeira dos policiais. O Estado parece aceitar tal tipo de situação, para não ter que reajustar o salário dos policiais. Isso cria problemas maiores ainda, porquanto o Estado gasta milhões com a formação desses policiais para depois serem usados por empresas particulares como segurança, com nítido prejuízo à sociedade. Nesta situação, aumentar o efetivo significa aumentar o problema, com um maior número de policiais insatisfeitos e desmotivados para o serviço.
Para melhor entender o problema, suponha o policial que presta serviço nos seus momentos de folga, a uma empresa particular, recebendo um bom salário. Depois de ter realizado o “bico”, assume cansado o seu turno de trabalho policial. Pode-se imaginar que diante de um trabalho desgastante que é o do policial, esbofado pela carga do trabalho, é manifesta a perda da qualidade do serviço e patente a queda da produtividade.

Os problemas de segurança pública não podem ser considerados como simples caso de polícia. A solução depende de uma série de providências em todos os níveis e de uma profunda reforma na estrutura dos órgãos policiais. São medidas corajosas, pois as instituições refratárias às mudanças, dificultam a ação do Governo e este para não entrar em confronto cede, dando-se por satisfeito, com medidas cosméticas e com ações pirotécnicas, principalmente diante dos quadros alarmantes de criminalidades focados em algumas cidades.
No âmbito da polícia de investigação, o Estado deveria investir mais nas técnicas para colheita de provas, através de uma polícia de inteligência. Melhorar os equipamentos científicos para exames periciais, criar laboratório e investir em um banco de dados único. Aperfeiçoar o trabalho de medicina legal e de criminalística. Já no aspecto da polícia preventiva, criar uma conscientização de polícia cidadã e não militarista. Policiais formados para executar a sua missão precípua de proteger e prevenir.

Paralelamente a essas mudanças, os municípios, dentro de suas peculiaridades deveriam criar uma rede de proteção social, através de um trabalho desenvolvido pelos seus órgãos, com vista aos meninos e meninas pertencentes aos grupos de risco, como usuários de droga e os ociosos procedentes de famílias desestruturadas. Os jovens nessa situação serão sempre presas fáceis para aliciamento ao mundo do crime e as meninas, à prostituição. Desenvolvendo políticas públicas de amparo e proteção às crianças e jovens dos grupos de riscos, assinala-se de forma bastante concreta, a redução da gênese da criminalidade e da formação de guetos de exclusão social, a meu ver, responsável pelos conflitos sociais.

Com uma Polícia preparada, remunerada de forma justa, integrada, concebida nos princípios da cidadania, associada às medidas sociais acima enumeradas, podem a médio e longo prazo contribuir concretamente para a melhoria da segurança pública.

* O autor é Delegado de Polícia Titular do Município de Capão Bonito e tem 28 anos de carreira policial.

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