Como todos sabem, antes da vigência
da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, que estabeleceu normas de
finanças públicas voltadas para a responsabilidade da gestão fiscal, o déficit público chegava a uma soma
estratosférica, a ponto de o Brasil ter perdido crédito perante a comunidade
financeira mundial, mormente, com relação ao FMI, principal financiador do
Brasil.
A dívida pública tornou-se impagável.
Essa realidade espelhava o menosprezo dos gestores na condução dos negócios
públicos, imbuídos na sensação de total irresponsabilidade quanto ao
cumprimento dos deveres decorrentes de contratos públicos e de responsabilidade
civil, além do total desrespeito com as decisões judiciais.
Não havia nenhuma dificuldade para o
gestor público em contrair dívidas ou cometer ilícitos, posto que não havia
responsabilização e nem obrigação de pagar, bastando rolar os débitos para os
sucessores. Este ao assumir o comando da administração, além de não pagar a
dívida anterior, contraia outras e assim, como uma verdadeira bola de neve, os órgãos públicos foram
contabilizando dívidas e mais dívidas, até que o panorama passou a mudar, a
partir da vigência da Lei Complementar 101/00, que surgiu para dar concretude e
eficácia a vários preceitos inseridos na Constituição Federal.
Pressionados pela responsabilização,
inclusive pessoal, os gestores públicos fizeram um gigantesco lobi - termo que vem do inglês e significa "vestíbulo nos prédios públicos onde ficavam as pessoas que visavam influir no voto dos políticos em favor de uma determinada lei que atendia certos interesses" - no Congresso Nacional que se
apressou em aprovar, primeiramente, a EC nº 30, que não resolveu, pois as
dívidas continuaram não sendo pagas e muitas Prefeituras passaram a sofrer
sequestros de suas rendas para quitar os precatórios.
Incomodados, os agentes políticos pressionaram
o Congresso Nacional que aprovou a toque de caixa, nova emenda a de nº 62/2009,
que além de permitir o parcelamento de débitos, ampliando o prazo para até 15
anos, ainda previu a compensação de débitos do credor com a entidade devedora e
mais a correção pelo índice da caderneta de poupança, quando os débitos em
geral são corrigidos na razão de 1% ao mês.
A despeito do desespero dos gestores
públicos, ante a declaração de inconstitucionalidade da EC 62/2009, que obriga
de agora em diante, o pagamento integral de débitos judiciais, de uma só vez,
penso que o STF, não obstante ter decidido por maioria apertada, andou bem,
considerando os princípios constitucionais em vigor.
Digo mais. O Estado existe para
servir a população e esta, na medida de sua capacidade, financia com seus
impostos o Poder Público para que administre os recursos públicos com
austeridade, transparência, eficiência e que satisfaçam os reais interesses da
população.
A administração pública,
principalmente das Prefeituras deste imenso País, era e é ainda, conduzida com
amadorismo e irresponsabilidade, supondo o mandatário, que está acima da lei e
da justiça, conceito existente nos chamados governos absolutos ou reinado ditatorial,
em que a vontade do rei é a lei e o
povo, mero subalterno.
Num regime democrático legitimo, o
governo se faz mediante a representação outorgada pela vontade popular. A lei
como expressão dessa vontade é aprovada para servir de regras a serem
observadas por todos, sobretudo, por aqueles que se investem no poder de gerir
a coisa pública.
Não faz sentido mais um agente
político bater no peito e dizer “saiba com quem está falando eu sou o Prefeito,
eu sou Vereador” e assim por diante. Atualmente o agente político deve proceder
com conhecimento, com responsabilidade e acima de tudo, dentro da legalidade,
pois do contrário, o poder perde a legitimidade e soa como falsa a
representação.
A democracia só é positiva, quando os
órgãos e os poderes passem a funcionar em conformidade com as normas
legitimamente aprovadas pelo parlamento, que é o representante do povo.
Para valer essa representação
política conferida pelo povo, nas urnas, é que existem os órgãos de controle.
Além do controle conferido ao povo, através da ação popular e por meio de
associações e conselhos das políticas públicas voltadas para a saúde, educação,
criança e adolescente, idoso, assistência social, meio ambiente, orçamentos
participativos, etc., existem ainda, os controles externos exercidos pelos
tribunais de contas, pelo Poder Legislativo e pelo Ministério Público, sem
falar da imprensa séria e imparcial.
Todo esse conjunto de institutos
insere-se no chamado princípio de representação democrática e republicana,
partindo do pressuposto que uma vez no poder, sem fiscalização, qualquer pessoa
pode desviar de conduta e agir em proveito próprio ou alheio.
Se no Reinado, governa-se pelo
princípio da nobreza e no Império, pelo princípio da honra militar, na
Democracia Republicana, governa-se pelo princípio da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Para mim, sem os princípios acima, o regime Democrático
se transforma no pior e mais detestável regime do mundo.
Fixadas as responsabilidades ao
gestor público, que de agora em diante deve pensar dez vezes no momento de
decidir e quando decidir deve não só atentar quanto às formalidades legais dos
atos, mas também, quanto à moralidade, transparência, publicidade de sorte que
todos os atos públicos sejam suficientemente motivados e justificados, a
realidade do país começará a mudar para melhor.
O gestor público deve abandonar a ideia
da impunidade e irresponsabilidade pessoal, pensando que pode fazer o que
quiser, porque os cofres públicos sempre arcarão com as consequências. De agora
em diante, o prejuízo causado ao erário por conta de má gestão, deverá ser suportado
pessoalmente pelo gestor.
Não só no plano civil e administrativo, mas no plano
político e eleitoral. Além de responder com seus recursos para reparar os
prejuízos que causar ao erário, o agente público, pode ser responsabilizado
também, por ato de improbidade com a suspensão dos direitos políticos, que mais
atemorizam os interessados.
Pelos efeitos modulatórios aplicados
na ADI, as regras anteriores permanecerão, mas os precatórios daqui em diante
serão pagos de uma só vez e integralmente.
Com essa decisão, acredito que os
gestores tomarão mais cuidados e passarão a fazer a lição de casa e o povo
agradece.
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